segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Moradores de Fazenda Rio Grande bloqueiam avenida para protesto

RMC - 24/01/2011 13:36 Fernanda Trisotto
Avenida Paraguai está interditada por causa da queima de pneus. Manifestantes reclamam do descaso das autoridades em relação a uma valeta que inunda as casas do bairro a cada chuva

Moradores do bairro Nações I, em Fazenda Rio Grande, na região metropolitana de Curitiba, fazem um protesto na manhã desta segunda-feira (24) por causa dos constantes alagamentos que ocorrem no bairro. A Avenida Paraguai foi bloqueada e os cerca de 60 manifestantes queimam pneus no local. Essa é a segunda manifestação realizada pelos moradores, que já haviam interditado a avenida no domingo (23).
De acordo com Márcia da Rosa Soares, que mora na região há 16 anos, uma valeta passa em um local próximo as casas, que sempre são alagadas quando chove. “Esse problema já acontece há muito tempo e ninguém toma uma providência. A prefeitura veio e colocou uma placa dizendo que faria a canalização do rio na gestão anterior, mas nada foi feito até agora”, diz.
Os moradores, que receberam um caminhão carregado de pneus para a queima, pretendem ficar no local durante todo o dia.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Número de casas vazias supera déficit habitacional, indica Censo 2010

11/12/2010 | 11:16 | AGÊNCIA BRASIL


Os primeiros dados do Censo 2010 divulgados pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de domicílios vagos no país é maior que o déficit habitacional brasileiro.

Existem hoje no Brasil, segundo o censo, pouco mais de 6,07 milhões de domicílios vagos, incluindo os que estão em construção. O número não leva em conta as moradias de ocupação ocasional (de veraneio, por exemplo) nem casas cujos moradores estavam temporariamente ausentes durante a pesquisa. Mesmo assim, essa quantidade supera em cerca de 200 mil o número de habitações que precisariam ser construídas para que todas as famílias brasileiras vivessem em locais considerados adequados: 5,8 milhões.
Esse déficit habitacional foi calculado pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) com base em outro levantamento do IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). O déficit soma a quantidade de famílias que declaram não ter um teto, que habitam locais inadequados ou que compartilham uma mesma moradia e pretendem se mudar. Não leva em conta as famílias que vivem em casas adequadas de aluguel.
O censo mostrou que São Paulo é o estado com o maior número de domicílios vagos. O número de moradias vazias chega a 1,112 milhão. Já de acordo com o Sinduscon-SP, são 1,127 milhão de famílias sem teto ou sem uma casa adequada. Portanto, na hipótese de que essas casas vagas fossem ocupadas por uma família, só 15 mil moradias precisariam ser construídas para solucionar o déficit habitacional do estado.
Minas Gerais é o segundo estado com o maior número de habitações vazias. São cerca de 689 mil, segundo o censo. Se todas as 444 mil famílias que compõem o déficit habitacional de Minas estimado pelo Sinduscon-SP mudassem para uma das moradias vagas, ainda sobrariam 245 mil domicílios desocupados.
Para o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, ex-secretário de Planejamento da cidade e do estado de São Paulo, os números do censo e do déficit habitacional indicam uma incoerência. Para ele, a quantidade domicílios vazios reforça a teoria de mau aproveitamento deles.
Em entrevista à Agência Brasil, Wilheim lembrou, porém, que não se pode afirmar que todas essas casas poderiam ser habitadas já. Destacou que os domicílios vazios têm diferentes características, que ainda não foram divulgadas pelo IBGE. Muitas casas, inclusive, são propriedades cujo valor não é compatível para atender à demanda das famílias que compõem o déficit habitacional.
De acordo com o Sinduscon-SP, 77% das famílias sem teto ou que vivem em locais inadequados têm renda mensal de até três salários mínimos (R$ 1.530 atualmente). Já 62% das famílias que dividem uma mesma moradia e desejam mudar estão na mesma faixa de renda.
Por conta disso, Wilheim entende que para resolver o problema de habitação do país são necessárias políticas públicas. Para ele, essas políticas poderiam estimular a reocupação de moradias vazias e, principalmente, as que estão abandonadas há anos.
“Precisamos de uma intervenção do Poder Público para desatar este nó [o déficit habitacional]”, disse. “Tem que haver uma intervenção para desapropriar os imóveis que estão abandonados há muito tempo para sua reposição no mercado”, completou.
O coordenador da Secretaria Executiva da Rede Nossa São Paulo, Maurício Broinizi Pereira, também considera o número de domicílios vagos paradoxal. Ele ressaltou que, seguramente, muitas dessas moradias não serviriam para acabar com o déficit habitacional do país até porque estão vazias temporariamente, à espera de um inquilino ou comprador. Entretanto, defende que medidas como a taxação progressiva de imóveis desocupados poderia minimizar a situação.
Pereira lembrou ainda o exemplo da cidade de São Paulo, que passa a cobrar o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) de imóveis considerados ociosos progressivamente a partir do ano que vem. O imposto desses imóveis, que hoje varia entre 0,8% e 1,8% do seu valor, pode chegar a 15% com o passar dos anos.
“Isso vai inibir a manutenção do imóvel vazio”, explicou, lembrando que só na capital paulista o número desses imóveis chega a 290 mil. “O dinheiro arrecadado com o aumento de imposto deve ser usado para construção de novas casas que atendam a população incluída no déficit habitacional da cidade.”
O Ministério da Cidades, responsável pelas políticas de habitação do país, informou em nota que o governo federal criou no ano passado o programa Minha Casa, Minha Vida visando a reduzir o déficit habitacional brasileiro em 1 milhão de unidades. O órgão não comentou a diferença entre o número de imóveis vazios e a demanda por moradia no país. Afirmou, porém, que a construção de 816 mil casas já foi contratada. Dessas, 40% serão destinadas a famílias com renda mensal até R$ 1.395.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Direito & Cidadania - a luta pela moradia

 O direito à moradia assegurado pela Constituição de 1988, tem imbricados outros direitos - também relacionados à dignidade da pessoa humana. Dentre tais direitos destaca-se o direito à saúde, ao saneamento básico, ao meio ambiente saudável, ao fornecimento de água potável, ao tratamento do esgoto, coleta de lixo, combate a doenças, o direito de ir e vir (consubstanciado em parte no transporte público), à luz, etc.
  Por conseguinte, a atuação do nosso grupo (Direito e Cidadania – a luta pela moradia), especialmente no que tange à cidadania e a moradia, está diretamente ligada a tais temas. Em uma perspectiva de direitos negados, partindo do abismo entre o “ser” e o “dever ser”, podemos direcionar nossos esforços e nosso, ainda limitado, conhecimento objetivando a mobilização na busca pela efetivação desses direitos. Algo que envolveria a atuação direta com a comunidade, tendo a associação de moradores como um instrumento de união, e nos bastidores a investigação das possibilidades jurídicas e políticas – sendo que a possível a atuação conjunta com o grupo de extensão do curso de jornalismo mostra-se uma potencial forma de nos dar visibilidade, seja no ambiente da universidade, como entre os atores do teatro político.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Mobilizações alertam para despejos

Para movimentos sociais, preparativos para Copa e Olimpíadas estão expulsando comunidades pobres em todo o país
22/09/2010

Patrícia Benvenuti
da Redação
"As cidades mais prejudicadas em geral são as metrópoles. Em São Paulo aconteceram alguns despejos em Paraisópolis [zona sul], onde teve uma campanha bem forte de mobilização dos moradores. Com a Copa do Mundo e as Olimpíadas isso deve ficar mais forte nos próximos anos", afirma.

Nesta quinta-feira (23), os movimentos entregarão uma carta ao Ministério das Cidades, onde pedem, dentre outras medidas, a paralisação imediata dos despejos e garantias de moradia para famílias de baixa renda.
"A ideia dessa Jornada é justamente abrir um canal de negociação nacional para que, de alguma forma, pare esse processo de despejo", explica Mineiro.



Fotos: João Zinclar







Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizaram, nesta quarta-feira (22), uma manifestação nas rodovias Régis Bittencourt, Raposo Tavares e no Rodoanel em São Paulo (SP).

As ações fazem parte da Jornada de Lutas Nacional contra Despejos, realizada desde segunda-feira (20) pela Resistência Urbana - Frente Nacional de Movimentos, que reúne organizações sociais urbanas de todo o país.

O objetivo das mobilizações, segundo o integrante do MTST André Mineiro, é denunciar os frequentes e massivos despejos que estão ocorrendo nas grandes cidades brasileiras.

A principal motivação das remoções, destaca o militante, é a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil em 2014 e 2016, respectivamente. Com o intuito de "embelezar" as cidades, tem-se gerado uma forte especulação imobiliária, responsável por expulsar comunidades pobres em direção às periferias.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Seminário sobre Regularização Fundiária Urbana discute direito à cidade para além da moradia

O que é o Direito à Cidade? Os elementos jurídicos, históricos e sociais que permeiam esta pergunta nortearam o primeiro dia do seminário sobre Regularização Fundiária Urbana, iniciando na manhã desta quarta-feira (23), com palestras da integrante da Secretaria de Estado e Desenvolvimento Urbano do Paraná e pesquisadora do Observatório das Metrópoles/IPPUR-RJ, Rosa Moura, o do professor da PUC-SP e coordenador da equipe Direito à Cidade do Instituto Polis, Nelson Saule Jr. Confira aqui os vídeos e o material de apoio.
O evento, realizado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais e pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), recebeu cerca de 280 inscrições para participação presencial ou para acompanhar a transmissão ao vivo pela internet, no site do Ministério Público.

Participaram da abertura dos trabalhos o Procurador Geral de Justiça, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, o coordenador do CAOP dos Direitos Constitucionais, Marcos Bittencourt Fowler, a coordenadora do CEAF, Samia Saad Gallotti Gonavides, e o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça das Comunidades, João Zaions Junior.

O seminário teve continuidade nesta quinta-feira (23), das 9h às 12h, com palestra do professor Leandro Franklin Gorsdorf, da Universidade Positivo e da ONG Terra de Direitos, e da professora Daniela Libório Di Sarno, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, que trataram do tema “Instrumentos de regularização fundiária na legislação urbanística”; e será finalizado amanhã, sexta-feira (24), no mesmo horário, com a temática “Espaços de prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos”, que será abordada pelo diretor do Departamento de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Daniel Todtmann Montandon, Urânia Flores e pelo assessor da Relatoria do Direito Humano à Cidade da Plataforma Dhesca e da ONG Alternativa, Cristiano Müller.

Peso das leis
Segundo Nelson Saule Jr., a construção da realidade urbana no Brasil está marcada pelas primeiras legislações de terra do país. A Lei de Terras, de 1850, é um dos marcos significativos, pois institui o direito de compra e venda das terras que antes eram posses dos sesmeiros. Com valor econômico e caráter de propriedade privada, a terra passa a ser entendida legalmente como mercadoria. Saule Jr. frisa que apenas os homens livres e brancos podiam ser proprietários de terras. Para o pesquisador, este ponto foi determinante para a perpetuação das relações já existentes: “Os que podiam comprar terras eram os que já tinham posses e que tinham se beneficiado da exploração de mão-de-obra escrava. Ao mesmo tempo, a lei impediu que as populações que já não tinha acesso ficassem totalmente excluídas de qualquer possibilidade de direitos”. Para Saule Jr., as comunidades quilombolas, que hoje lutam por regularização fundiária dos territórios, são resultado concreto desta restrição da Lei de Terras.

A Lei Nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo, também é levantada por Nelson Saule Jr. como uma legislação valiosa. “Foi uma certa revolução, pois ela [a lei] diz que uma parte da propriedade urbana deveria ser destinada ao bem coletivo”. Segundo o pesquisador, a lei significou um avanço no sentido da aplicação da função social da propriedade, exigida legalmente desde o Estatuto da Terra, de 1964.

Até a Constituição de 1988 não havia cobrança para a aplicação da função social da terra. Pela participação de diversos segmentos sociais, a Carta Magna trouxe medidas para enfrentar o legado de exclusão: “A Constituição de 88 trouxe a possibilidade de trazer todas as pessoas que foram excluídas com a Lei de Terras de 1950, como as populações quilombolas e indígenas”.

Acesso à moradia e à cidade
As enchentes e os deslizamentos de terra ocorridos no início deste ano em regiões do Rio de Janeiro trouxeram a discussão sobre a ocupação de Áreas de Preservação Permanente (APP) e de sensibilidade ambiental. Parte dos meios de comunicação e da opinião pública culpabilizaram a população empobrecida pelos desastres. “Os pobres se tornam inimigos na natureza, e há um esforço em formar essa visão. Como se morar no morro fosse culpa da população pobre”, aponta a pesquisadora Rosa Moura, alertando para as falhas nas políticas públicas de acesso à moradia, que resultam na ocupação de áreas de baixo valor imobiliário, muitas vezes localizadas em locais de risco.

Das políticas habitacionais em vigência, como o programa “Minha Casa, Minha Vida”, do governo federal, executados em sua maioria pelas COHABs, Rosa Moura chama atenção para a persistência de problemas antigos: “É muito triste, mas continuamos na lógica dos anos 70, em que as habitações populares eram feitas ‘para lá da rodovia’”. A pesquisadora argumenta que o direito à moradia “é mais do que a moradia, é muito maior do que o abrigo ou do que a concretização de um teto”, e sim espaço digno para a habitação, acesso à infraestrutura, à saúde, à educação e aos serviços sociais básicos.

Segundo Rosa Moura, a segregação socioespacial está ligada à especulação imobiliária. Enquanto a população de baixa renda é realocada das proximidades dos Centros urbanos para bairros de divisa com outros municípios, na periferia das cidades, há um grande número de imóveis vazios as regiões centrais. De acordo com dados trazidos pela pesquisadora, o déficit habitacional da Região Metropolitana de Curitiba é de mais de 91 mil domicílios, enquanto o número de imóveis vagos passa de 92 mil.

O principal instrumento para a aplicação da função social da propriedade e para a organização sustentável do meio urbano é o Plano Diretor, obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, e no Paraná exigido a todos os municípios, pela lei estadual Nº 15.229/2006. Para Rosa Moura, o plano tem obrigação de trazer transparência sobre a situação do município, principalmente para que a função social seja cobrada pela população. “Se não houver uma pressão da sociedade para que esses dados sejam divulgados, isso vai ficar para depois e não vai acontecer”, argumenta a pesquisadora. Um problema presente em parte dos Planos Diretores é a falta de fidelidade com a realidade do município. Rosa Moura lembra a possibilidade de que, a qualquer momento, os cidadãos cobrem a revisão do documento.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Embate na beira do rio e nas linhas do trem

Projetos do PAC e da Cohab-CT prometem reduzir favelização de Curitiba em 30%, mas esbarram no campo minado do movimento dos sem-teto
Publicado em 15/06/2008 | José Carlos Fernandes


     Nos próximos dois anos, a área favelizada de Curitiba vai ser reduzida em 30%. O número é animador para a cidade que está assentada sobre um barril de pólvora chamado crise da habitação. Foram duas décadas sem bons investimentos no setor, somadas a problemas crônicos em áreas como a Vila das Torres e a Vila Parolin – que de tão antigas hoje estão presentes no imaginário da cidade tanto quanto o Batel ou as Mercês. O saldo de tudo isso é brutal e – para quem se fiúza nas campanhas publicitárias inspiradas em contos de fadas – inacreditável.
     Dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippuc) apontam 258 áreas de ocupação irregular na capital, somando 55.460 domicílios, que abrigam cerca de 220 mil curitibanos sem-teto. Essa gente vive num mundo à parte – e não só porque favelas não são propriamente um jardim ambiental feito o da Rua Schiller. Em paralelo às situações de miséria que colocam em descrédito as políticas públicas locais, as ocupações encontraram seu modo de existir.
     Engana-se quem pensa que ver uma favela é ver todas. Elas não são apenas muitas, degradadas, informais, violentas e abandonadas. São também muito diferentes entre si. É uma pena que essa variedade seja estudada por uns poucos – a exemplo do engenheiro ambiental Carlos Mellos, da PUCPR, uma das autoridades locais no assunto. Há áreas sedimentadas e politizadas, como a Formosa, cujas casas se confundem ao cenário classe média do velho Novo Mundo. O Parolin e seus 29 becos de dar medo. Zonas que mais parecem próximas do Juízo Final, como a Vila 23 de Agosto, no Ganchinho, cujas palafitas dignas da Amazônia se revelam em pleno Ribeirão dos Padilhas. Ou a tortuosa Icaraí – formada na beira da linha do trem, conhecida de quem acompanha o noticiário policial e curiosa pela quantidade de igrejas evangélicas a cada 20-30 barracos.
     Por essas e outras, a informação de que 30% desse mundo vai ser legalizado é surpreendente, porque 1% desses lugares já é um desafio grande o bastante para a compreensão de qualquer um. Não à toa, num aspecto todos os ouvidos para essa reportagem concordam: o momento é histório. De tão determinante para a vida da cidade daqui em diante, pode-se falar em “fator favela”.
     Diante do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), tem quem pergunte, não sem uma certa ingenuidade, se as favelas de Curitiba vão acabar. A resposta é que a do Parolin tem dia e hora para sair da informalidade. Que não vai ter gente morando na beira de rios como o Guaíra e o Formosa. E que se espera que os erros do passado – como o da Vila Nossa Senhora da Luz, em 1966 – não se repita. “Eu digo que se podemos acabar com 30%, podemos acabar com muito mais”, aposta o presidente da Cohab-CT, Mounir Chaowiche.

Anonimato

     Em dias de PAC e do programa Moro Aqui, da Cohab-CT, 35 favelas da cidade saíram da relativa pasmaceira em que viviam. Pode-se afirmar que nenhum dos 68 mil habitantes desses locais – oriundos de 11 mil famílias beneficiadas pelo programa – assiste apático ao que está acontecendo na porta dos barracos. Primeiro chegaram os exércitos de recenseadores da Companhia de Habitação, que produziram um impressionante banco de dados sobre as ocupações. Mais recentemente foi a vez das máquinas de terraplanagem, patrolas, retro-escavadeiras e motoniveladoras, transformando áreas como o Bolsão Audi – União em canteiro de obras.
     O que mais se vê é levas de futuros moradores “namorando a obra”. Muitos vão de bicicleta, de ônibus, interrompem o trabalho dos pedreiros e fazem tiroteio de perguntas para o mestre-de-obras. “É contagiante. A crença no poder público foi recuperado. São famílias que estão se sentindo resgatadas”, festeja Chaowiche. Natural. Parte dessa população não acreditava que a regularização viesse a acontecer. Em 90 dias, devem se dar as primeiros relocações no Parolin – a favela que existe há 60 anos. Testemunhar a emoção dessa gente é uma espécie de redenção diante da cidade que tentou conciliar o inconciliável – ser modelar, porém desigual. Mas o cenário do momento no turbulento mundo da habitação popular não se resume ao momento idílico em que uma família muito pobre deixa de ser sem-teto e vê se abrirem as portas da esperança.
     Para muitos – em especial nas ocupações mais antigas – o momento tem sido de tensão. Há quem tenha investido muitos anos em terrenos à beira de rios como o Formosa, Ribeirão dos Padilhas, Guaíra e se veja, agora, em vias de partir para um apartamento de 3,80 metros de frente ou uma casinha geminada com oito metros de fundo. Há sonho e pesadelo num mesmo conjunto habitacional. Cerca de 10% das obras estão em andamento. A parte mais difícil é a das fundações, já superada. Uma vez pronto o solo, em dois meses nasce um conjuntinho de 400 a tantas casas, feito o que está quase pronto na miserável Terra Santa – ocupação no bairro Tatuquara.
     A vida nova e a mudança de hábitos assusta. Mas o maior conflito é político. Não é leviano afirmar que nas eleições de outubro, o PAC, o Moro Aqui da prefeitura e o sem-número de líderes comunitários vão ser peças decisivas nas urnas. A habitação, quem diria, de movimento tido como desarticulado e dividido dá as cartas – direto do canteiro de obras para a história da cidade.
     O plano de aceleração, como o nome diz, veio para alterar o cenário da habitação, mas teria trazido prejuízos com sua pressa. Os governos negam, mas os princípios de participação popular previstos pelo Estatuto da Cidade saíram lesados diante de tantos milagres em menos de um ano. Há quem não se conforme. Há quem diga que o prejuízo da pouca participação das comunidades é incalculável.
     A advogada da União Geral dos Moradores, Ana Célia Lourenção, lamenta. “A gente gostaria que o processo fosse mais participativo. Nos encontros nas vilas para falar do projeto, a Cohab passa um filminho e depois uma lista nos encontros comunitários. Não tem nada a ver.” O advogado Vinícius Gessolo de Oliveira, da organização não-governamental Terra de Direitos – parceira dos movimentos populares de Curitiba – se afina com a fala de Ana. Nunca houve tanto dinheiro para habitação. Mas a gestão de recursos, em nome da correria, ficou centralizada, atropelando os estatutos da democracia. “A gestão compartilhada tem poder de gerar mais organização social. Mas tem um preço. Todo mundo ganha. Mas do jeito que se deu, o PAC perdeu o brilho.”

Cumeeira
Setor de habitação é palco de tensões políticas. Aparentemente dividido, deu provas de força ao aprovar Estatuto da Cidade em 2001. Dificilmente, líderes vão aceitar recuo nas políticas em conjunto com as comunidades.
1 - Gestão participativa: Dados do IBGE 2005 apontam que o Brasil tem déficit habitacional de 7,2 milhões de moradias, sendo 80% na zona urbana e 20% na zona rural. O setor avança com dificuldade porque financiamentos dependem da aprovação da Caixa Econômica Federal. Os movimentos de habitação conquistaram direito de gestão democrática dos recursos que lhe cabem, mas a rapidez do PAC tende a atropelar essas princípios. “Na hora de discutir faixa de proteção ambiental e valor do metro quadrado, o que vale é a palavra da Cohab”, protesta o advogado Vinícius Gessolo, da ONG Terra de Direitos.
2 - Ocupação urbana: Estima-se haver em Curitiba 33 mil imóveis ociosos, em condições de servirem de moradia popular. Esse tipo de apropriação é prevista no Estatuto da Cidade, por ser mais inclusiva e barata. Em vez de urbanizar nova área, usa-se a estrutura que a população já pagou. O modelo encontra resistência do mercado imobiliário – que pressiona o poder público, temendo queda no preço dos imóveis. Outra crítica dos movimentos é à concentração de moradias populares no Tatuquara, quando o Plano de Desenvolvimento Integrado, da Comec, recomenda aplicação no Norte e no Sul, de modo a evitar desperdício e a segregação dos mais pobres numa zona da cidade.
3 - Escolhas políticas: Movimentos populares acreditam na escolha política de algumas áreas, mais afinadas com a prefeitura, para se beneficiarem com o PAC. Cohab-CT nega. Grupos como o Bolsão Sabará teriam sido incluídos depois de pressionar o órgão municipal. Motivo do desacerto é a defesa do usucapião em algumas zonas da cidade, o que é desaconselhado pela secretaria de Habitação.


fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=776495&tit=Embate-na-beira-do-rio-e-nas-linhas-do-trem