sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Seminário sobre Regularização Fundiária Urbana discute direito à cidade para além da moradia

O que é o Direito à Cidade? Os elementos jurídicos, históricos e sociais que permeiam esta pergunta nortearam o primeiro dia do seminário sobre Regularização Fundiária Urbana, iniciando na manhã desta quarta-feira (23), com palestras da integrante da Secretaria de Estado e Desenvolvimento Urbano do Paraná e pesquisadora do Observatório das Metrópoles/IPPUR-RJ, Rosa Moura, o do professor da PUC-SP e coordenador da equipe Direito à Cidade do Instituto Polis, Nelson Saule Jr. Confira aqui os vídeos e o material de apoio.
O evento, realizado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais e pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), recebeu cerca de 280 inscrições para participação presencial ou para acompanhar a transmissão ao vivo pela internet, no site do Ministério Público.

Participaram da abertura dos trabalhos o Procurador Geral de Justiça, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, o coordenador do CAOP dos Direitos Constitucionais, Marcos Bittencourt Fowler, a coordenadora do CEAF, Samia Saad Gallotti Gonavides, e o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça das Comunidades, João Zaions Junior.

O seminário teve continuidade nesta quinta-feira (23), das 9h às 12h, com palestra do professor Leandro Franklin Gorsdorf, da Universidade Positivo e da ONG Terra de Direitos, e da professora Daniela Libório Di Sarno, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, que trataram do tema “Instrumentos de regularização fundiária na legislação urbanística”; e será finalizado amanhã, sexta-feira (24), no mesmo horário, com a temática “Espaços de prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos”, que será abordada pelo diretor do Departamento de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Daniel Todtmann Montandon, Urânia Flores e pelo assessor da Relatoria do Direito Humano à Cidade da Plataforma Dhesca e da ONG Alternativa, Cristiano Müller.

Peso das leis
Segundo Nelson Saule Jr., a construção da realidade urbana no Brasil está marcada pelas primeiras legislações de terra do país. A Lei de Terras, de 1850, é um dos marcos significativos, pois institui o direito de compra e venda das terras que antes eram posses dos sesmeiros. Com valor econômico e caráter de propriedade privada, a terra passa a ser entendida legalmente como mercadoria. Saule Jr. frisa que apenas os homens livres e brancos podiam ser proprietários de terras. Para o pesquisador, este ponto foi determinante para a perpetuação das relações já existentes: “Os que podiam comprar terras eram os que já tinham posses e que tinham se beneficiado da exploração de mão-de-obra escrava. Ao mesmo tempo, a lei impediu que as populações que já não tinha acesso ficassem totalmente excluídas de qualquer possibilidade de direitos”. Para Saule Jr., as comunidades quilombolas, que hoje lutam por regularização fundiária dos territórios, são resultado concreto desta restrição da Lei de Terras.

A Lei Nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo, também é levantada por Nelson Saule Jr. como uma legislação valiosa. “Foi uma certa revolução, pois ela [a lei] diz que uma parte da propriedade urbana deveria ser destinada ao bem coletivo”. Segundo o pesquisador, a lei significou um avanço no sentido da aplicação da função social da propriedade, exigida legalmente desde o Estatuto da Terra, de 1964.

Até a Constituição de 1988 não havia cobrança para a aplicação da função social da terra. Pela participação de diversos segmentos sociais, a Carta Magna trouxe medidas para enfrentar o legado de exclusão: “A Constituição de 88 trouxe a possibilidade de trazer todas as pessoas que foram excluídas com a Lei de Terras de 1950, como as populações quilombolas e indígenas”.

Acesso à moradia e à cidade
As enchentes e os deslizamentos de terra ocorridos no início deste ano em regiões do Rio de Janeiro trouxeram a discussão sobre a ocupação de Áreas de Preservação Permanente (APP) e de sensibilidade ambiental. Parte dos meios de comunicação e da opinião pública culpabilizaram a população empobrecida pelos desastres. “Os pobres se tornam inimigos na natureza, e há um esforço em formar essa visão. Como se morar no morro fosse culpa da população pobre”, aponta a pesquisadora Rosa Moura, alertando para as falhas nas políticas públicas de acesso à moradia, que resultam na ocupação de áreas de baixo valor imobiliário, muitas vezes localizadas em locais de risco.

Das políticas habitacionais em vigência, como o programa “Minha Casa, Minha Vida”, do governo federal, executados em sua maioria pelas COHABs, Rosa Moura chama atenção para a persistência de problemas antigos: “É muito triste, mas continuamos na lógica dos anos 70, em que as habitações populares eram feitas ‘para lá da rodovia’”. A pesquisadora argumenta que o direito à moradia “é mais do que a moradia, é muito maior do que o abrigo ou do que a concretização de um teto”, e sim espaço digno para a habitação, acesso à infraestrutura, à saúde, à educação e aos serviços sociais básicos.

Segundo Rosa Moura, a segregação socioespacial está ligada à especulação imobiliária. Enquanto a população de baixa renda é realocada das proximidades dos Centros urbanos para bairros de divisa com outros municípios, na periferia das cidades, há um grande número de imóveis vazios as regiões centrais. De acordo com dados trazidos pela pesquisadora, o déficit habitacional da Região Metropolitana de Curitiba é de mais de 91 mil domicílios, enquanto o número de imóveis vagos passa de 92 mil.

O principal instrumento para a aplicação da função social da propriedade e para a organização sustentável do meio urbano é o Plano Diretor, obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, e no Paraná exigido a todos os municípios, pela lei estadual Nº 15.229/2006. Para Rosa Moura, o plano tem obrigação de trazer transparência sobre a situação do município, principalmente para que a função social seja cobrada pela população. “Se não houver uma pressão da sociedade para que esses dados sejam divulgados, isso vai ficar para depois e não vai acontecer”, argumenta a pesquisadora. Um problema presente em parte dos Planos Diretores é a falta de fidelidade com a realidade do município. Rosa Moura lembra a possibilidade de que, a qualquer momento, os cidadãos cobrem a revisão do documento.

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